Por que ainda vale a pena evitar litígios judiciais em matéria tributária

Por que ainda vale a pena evitar litígios judiciais em matéria tributária

Além de autorizar e fixar parâmetros para a celebração de transação com a União, a Lei n.º 13.988/2020, publicada aos 14 de abril transato, teve como principal destaque o ostensivamente noticiado fim do voto de qualidade no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – Carf. Em seu art. 28, o referido Diploma acrescentou o art. 19-E à Lei n.º 10.522/2002, para determinar que, “[e]m caso de empate no julgamento do processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário, não se aplica o voto de qualidade […], resolvendo-se [o litígio] favoravelmente ao contribuinte” (negritou-se).

Apenas a título de contextualização, o Carf consiste em um tribunal administrativo, a que compete, fundamentalmente, o julgamento dos recursos interpostos contra as decisões das Delegacias Regionais de Julgamento – DRJ da Receita Federal do Brasil – RFB. O Conselho é formado por julgadores especializados em Direito Tributário, com formação também em áreas afins do conhecimento (tais como contabilidade ou economia), possui composição paritária — isso é, é composto, em número idêntico, por representantes dos contribuintes e por representantes da Fazenda Pública — e, caso haja empate no julgamento, o litígio resolve-se em favor do contribuinte, por força da recentíssima mudança introduzida pelo art. 28 da Lei n.º 13.988/2020.

Essa importante alteração legislativa foi oportuna para destacar as consideráveis vantagens em se litigar no âmbito administrativo em matéria tributária. Em que pese muito se falar na parcialidade dos julgamentos realizados no âmbito administrativo — discussão essa que não convém a esta exposição, nem aos seus Autores —, vale a pena chamar atenção para alguns outros pontos positivos que a discussão do crédito tributário nas instâncias do Ministério da Fazenda (Receita Federal do Brasil – RFB e Carf, fundamentalmente) apresenta em relação ao ajuizamento de ações judiciais com o mesmo intuito.

I. Imediata suspensão da exigibilidade do crédito tributário – Código Tributário Nacional – CTN, art. 151, III

Talvez a maior vantagem, sobretudo no que diz respeito à rotina empresarial, seja essa: a interposição do recurso administrativo suspende imediatamente a exigibilidade do crédito tributário, nos termos do art. 151, III, do CTN.

Isso significa que, uma vez apresentada a impugnação ao lançamento tributário, o Fisco ficará impedido de inscrever o crédito em dívida ativa e o contribuinte, por seu turno, ficará desobrigado do pagamento imediato do tributo e poderá obter certidões positivas com efeito de negativas, para apresentar aos seus fornecedores e, inclusive, participar de licitações ou de outros certames públicos.

No Poder Judiciário, a suspensão da exigibilidade do crédito tributário, prevista no art. 151, IV e V, do CTN, depende, no mais das vezes, da concessão de liminar — nem sempre facilmente obtida, haja vista a necessidade de atendimento a outros requisitos processuais, como a demonstração do bom direito alegado e da urgência na concessão do provimento jurisdicional, nos termos dos arts. 294 e seguintes do Código de Processo Civil – CPC.

II. Custos do litígio

Além da imediata suspensão da exigibilidade do crédito tributário, a litigância tributária no âmbito administrativo também implica o desembolso de uma quantia consideravelmente inferior àquela que se exige no âmbito judicial.

Isso se dá, a uma, porque, na vasta maioria dos casos, a impugnação de um lançamento tributário, ainda que incorreto, implicará a necessidade da denominada “garantia do juízo”. É o que estabelecem, e. g., os arts. 8º, 9º e 16 da Lei de Execuções Fiscais – LEF – Lei n.º 6.830/80, que condicionam a impugnação à ação de execução fiscal — via embargos à execução — ao depósito do montante integral do crédito ou ao oferecimento de seguro garantia ou fiança bancária.

Mas os custos não se limitam às garantias do juízo. Há que se considerar ainda que, em caso de derrota judicial, o contribuinte ficará obrigado a desembolsar de 10% a 20% por cento do valor integral do crédito cobrado em favor da Fazenda, por força da previsão contida no art. 85 do CPC.

Nenhum desses custos, porém, é necessário na seara administrativa. Com efeito, é vedada a exigência de depósito ou arrolamento de bens como condição para a interposição de recurso administrativo — por força da Súmula Vinculante n.º 21 — e, por ausência de previsão legal, também não são devidos quaisquer outros valores em caso de derrota no âmbito administrativo. Apenas se dará prosseguimento aos atos tendentes à cobrança do tributo, com a sua inscrição em dívida ativa e com o consequente ajuizamento de execução fiscal.

III. Julgadores especializados

Outro ponto positivo é a especialidade técnica que se exige dos Conselheiros — assim são denominados os membros do Carf — que julgarão os recursos administrativos interpostos pelos contribuintes nas instâncias fazendárias. No Poder Judiciário, não se exige dos magistrados que atuem no julgamento de questões tributárias a comprovação de formação técnica especializada em Direito Tributário, em contabilidade ou em outros temas específicos.

Os conselheiros do Carf, por sua vez, necessariamente possuem formação técnica em Direito Tributário — são, em sua vasta maioria, advogados, procuradores, auditores fiscais, com experiência profissional e formação acadêmica em assuntos relacionados à tributação e à rotina empresarial dos contribuintes. Essa característica do Conselho tende a elevar a qualidade técnica dos julgamentos e, por conseguinte, a proporcionar soluções potencialmente mais adequadas às questões suscitadas perante o Órgão Julgador.

IV. Da impossibilidade de discussão judicial do crédito em caso de derrota do Fisco

Por fim, um último aspecto positivo digno de nota neste breve espaço consiste na impossibilidade de impugnação judicial do julgamento realizado no âmbito administrativo em caso de acolhimento da impugnação do contribuinte — haja vista a expressa previsão, nesse sentido, do art. 156, IX, do CTN [1] e do art. 45 do Decreto n.º 70.235/72 [2].

Assim, enquanto, em caso de derrota do contribuinte na seara administrativa, a discussão judicial do crédito não fica impedida, na hipótese oposta — derrota do Fisco —, a decisão torna-se definitiva, proporcionando maior celeridade e segurança jurídica nas relações com a Fazenda.

V. Conclusão

Por todas essas razões, assim — sem esquecer, claro, da relevante inovação trazida pelo art. 28 da Lei n.º 13.988/2020, segundo a qual, nos julgamentos em que houver empate entre os conselheiros do Carf, os casos serão decididos em favor do contribuinte —, vale a pena atentar-se ao prazo recursal assinalado na notificação de lançamento e evitar, pelo menos de início, os aspectos negativos que o litígio no âmbito judicial apresenta em relação à discussão do crédito tributário na seara administrativa.


[1]“Art. 156. Extinguem o crédito tributário: […] IX – a decisão administrativa irreformável, assim entendida a definitiva na órbita administrativa, que não mais possa ser objeto de ação anulatória”

[2]“Art. 45. No caso de decisão definitiva favorável ao sujeito passivo, cumpre à autoridade preparadora exonerá-lo, de ofício, dos gravames decorrentes do litígio”.

Ademar Cypriano e Arthur Calaça

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