O principal meio de exportação dos produtos brasileiros, até hoje, é o transporte marítimo. Dessa forma, é de extrema relevância a aplicação dos incentivos corretos no momento da regulação, tendo em vista que possui grandes repercussões econômicas.
Como muito bem expõe Farranha et al (2015), mesmo com a grande importância econômica que esse setor detém, há uma alta cobrança para a importação e a exportação de mercadoria e uma baixa eficiência nas operações portuárias.
Não foram poucas as vezes que foram promulgados marcos regulatórios para que a estrutura portuária fosse menos custosa e mais eficaz. Alguns exemplos são a Lei n° 8.630/1993, conhecida como Lei de Modernização dos Portos, o Decreto n° 6.620/2008, a Lei n° 12815/2013 e a Resolução n° 2.389/2012 da Antaq.
A Lei N° 8.630/1993 foi promulgada visando a tornar os portos mais dinâmicos e competitivos na esfera do comércio internacional. Quase todos os serviços e estruturas operados pelo Poder Público foram delegados à iniciativa privada por meio do processo licitatório, restando o papel de administrador/gestor e autoridade portuária para a Administração Pública.
Dentre as atividades que foram delegadas aos particulares para a exploração econômica está a armazenagem alfandegada. Dessa maneira, essa atividade, que era reservada aos terminais portuários, ao deixar de ser exclusiva desses estabelecimentos, possibilitou uma abertura de mercado para a concorrência no setor antes monopolizado.
Assim, a concorrência direta no mercado de armazenagem alfandegada passou a ser os chamados recintos alfandegados independentes. A iniciativa permitiu uma melhoria no fornecimento das operações portuárias, considerando que houve uma diminuição do tempo de liberação das cargas e dos custos para os usuários.
Ocorre que, apesar de concorrentes, apenas os terminais portuários possuem pontos de atracação para receber a carga e, portanto, os recintos alfandegados independentes necessitam que a carga seja entregue a eles. Para efetivar a segregação e a entrega das cargas nas operações de importação, os terminais cobram um preço conhecido como THC2 (Terminal Handling Charge 2).
Apesar de ser conhecida pelo nome THC2, esta cobrança, conforme consta no relatório de auditoria feito pelo TCU e apresentado no acórdão n.° 1704/2018, é feita nos portos de Santos, do Rio de Janeiro e de Vitória e os preços cobrados não vêm com o nome de THC2 nas tabelas publicadas. Dessa forma, é constituída e sistematizada sob esses moldes há mais de vinte anos.
Em conformidade com o que foi estabelecido na Lei de Modernização dos Portos, a Resolução n.° 2.389/2012 da Antaq procurou definir as cobranças a serem realizadas pelas operações portuárias, determinando a capatazia (Terminal Handling Charge) e a possibilidade da cobrança do THC2, como é possível observar abaixo:
Art. 3º A Taxa de Movimentação no Terminal (Terminal Handling Charge – THC) poderá ser cobrada pela empresa de navegação, diretamente do exportador, importador ou consignatário, conforme o caso, a título de ressarcimento das despesas assumidas com a movimentação das cargas pagas ao operador portuário, ou seja, a Cesta de Serviços (Box Rate).
Parágrafo único. A comprovação de pagamento da Taxa de Movimentação no Terminal (THC) é condição necessária para a liberação de cargas de importação por parte dos Recintos Alfandegados.
Art. 5º Os serviços não contemplados no Box Rate, quando demandados ou requisitados pelos clientes ou usuários do terminal sob a responsabilidade de operadores portuários, obedecerão condições de prestação e de remuneração livremente negociadas com o operador portuário ou divulgadas em tabelas de preços de serviços, observados os tetos de preços fixados pela Autoridade Portuária e as condições comerciais estipuladas no contrato de arrendamento. (Negritou-se);
No ano subsequente à promulgação da resolução da Antaq, houve a entrada em vigor da Nova Lei dos Portos que, por sua vez, incluiu a cobrança de THC2 na taxa de THC, criando-se, assim, um conflito normativo com a Resolução n° 2.389/2012 da Antaq, como exposto à baixo:
Art. 40. O trabalho portuário de capatazia, estiva, conferência de carga, conserto de carga, bloco e vigilância de embarcações, nos portos organizados, será realizado por trabalhadores portuários com vínculo empregatício por prazo indeterminado e por trabalhadores portuários avulsos.
§ 1º Para os fins desta Lei, consideram-se:
I – capatazia: atividade de movimentação de mercadorias nas instalações dentro do porto, compreendendo o recebimento, conferência, transporte interno, abertura de volumes para a conferência aduaneira, manipulação, arrumação e entrega, bem como o carregamento e descarga de embarcações, quando efetuados por aparelhamento portuário; (Negritou-se)
Nesse sentido, não foram poucas as decisões emitidas a partir do ajuizamento de ações que pediam a declaração de ilegalidade da cobrança de THC2 mediante o conflito normativo da resolução em face da Lei n° 12.815/2013, como por exemplo:
Apelação. Transporte Marítimo. Sentença de improcedência. Autora que alega cobrança abusiva de taxas de armazenagem e serviços. Ré que comprova os serviços prestados e preço compatível com os valores praticados pelas empresas concorrentes. Cobrança de THC2. Valor que é exigido não apenas em razão da liberação de mercadorias do costado do navio à pilha comum do terminal portuário, mas também pela contrapartida de uma efetiva movimentação e transporte de contêineres a partir do ponto onde são armazenados. Inocorrência de cobrança em duplicidade, abusiva ou violadora do direito da concorrência. Retenção das mercadorias, Legalidade (artigo 644, do CC). Sentença mantida. Recurso desprovido.
(TJ-SP – AC: 10166801620178260562 SP 1016680-16.2017.8.26.0562, Relator: Elói Estevão Troly, Data de Julgamento: 21/08/2012, 15ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 18/03/2019)
EMENTA: agravo de instrumento – TRANSPORTE MARÍTIMO – SERVIÇOS DE SEGREGAÇÃO E ENTREGA DE CONTÊINERES – COBRANÇA DA TARIFA THC2 (TERMINAL HADLING CHARGE 2) – TUTELA DE URGÊNCIA DEFERIDA – ABTENÇÃO DE RETENÇÃO DE CARGAS OU QUALQUER MEDIDA QUE OBSTACULIZE A RETIRADA DOS CONTÊINERES PELA AGRAVADA – ABTENÇÃO DE COBRANÇA DA TAXA ADMINISTRATIVA PELO ACONDICIONAMENTO DAS MERCADORIAS – PRESENÇA DOS REQUSITOS AUTORIZADOS DA TUTELA DE URGÊNCIA – PRESTAÇÃO DE CAUÇÃO – NÃO COMPROVAÇÃO DA NECESSIDADE – REDUÇÃO DA MULTA DIÁRIA EM CASO DE DESCUMPRIMENTO – POSSIBLIDADE – RECURSO PROVIDO EM PARTE – AGRAVO INTERNO PREJUDICADO. 1 – Aduz a agravante ser legítima a cobrança da tarifa de movimentação de contêineres, especificamente a denominada THC2 – que se caracteriza pela transferência das cargas do terminal da agravante para o terminal da agravada -, porquanto ao contrário do que sustenta o agravado, esse tarifa em nada se relaciona com o chamado ¿Box Rate¿ ou Cesta de Serviços, conforme dicção do art. 2º, da Resolução nº 2389, de 13 de fevereiro de 2012, da ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários). 2 – Por outro lado, sustenta a agravada que tanto o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) como a ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) reconhecem a abusividade da cobrança do THC2 dos portos secos, porquanto configuraria ofensa à livre concorrência, porque supostamente visaria dificultar e inviabilizar a prestação dos serviços de armazenagem pelos concorrentes. 3 – Não obstante as alegações do agravante, forçoso reconhecer que o tema é controvertido na jurisprudência pátria. 4 – Não bastasse a controvérsia acerca da legalidade da cobrança da referida tarifa, tem-se que a própria agravante afirma que a recorrida é parte ilegítima para questionar custos que recaem sobre o importador final. Assim, ao menos neste exame superficial, verifica-se que a cobrança da tarifa extra ainda que se considerasse legítima seria indevida, porque direcionada à pessoa que não teria a obrigação legal de arcar com os custos da operação […].
(TJ-ES – AI: 00061587420178080035, Relator: MANOEL ALVES RABELO, Data de Julgamento: 02/10/2017, QUARTA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 17/10/2017)
Dentre as decisões proferidas a respeito, cabe destacar as emitidas pelo CADE e pelo TCU. O CADE afirmou que se tratava de um conflito de sua competência, levando em conta que se cuida de uma cobrança que viola o princípio da livre concorrência e, desse modo, uma prática de infração à ordem econômica.
O TCU, por seu turno, consignou que era sua a competência de intervir em qualquer resolução estabelecida pelas autarquias que fosse ineficaz ou ineficiente, reafirmando ainda a competência do CADE para julgar sobre a questão também.
Mesmo com a auto declaração de competência do TCU e do CADE, alguns julgados da Justiça Estadual, em especial no âmbito do estado de São Paulo, afirmam entendimento contrário ao colocado por ambos, considerando a cobrança legítima, por se tratar de uma contraprestação, como o julgado citado anteriormente.
Dessa forma, o conflito de competências e a divergência de entendimento sobre a natureza da cobrança se agrava com o fato de o STJ compreender que, por ser uma matéria discutida em âmbito fático, atrai a aplicação da Súmula n.º 7 do Tribunal. O mesmo argumento foi colocado pelo STF quando a demanda foi submetida à sua apreciação, como pode ser observado abaixo:
AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1.260.942 – SP (2018/0051260-5) RELATORA: MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI AGRAVANTE : DEICMAR ARMAZENAGEM E DISTRIBUICAO LTDA ADVOGADOS : MARCIO CARNEIRO SPERLING – SP183715 GLAUCO ALVES MARTINS – SP195339 RENATA RIZZO – SP315658 ANA CAROLINA CINOCA PIOVAN E OUTRO (S) – SP382667 AGRAVADO : TRANSBRASA TRANSITÁRIA BRASILEIRA LTDA ADVOGADO : LEANDRO DA SILVA – SP0113461 DECISÃO.[…] 1. O conhecimento do recurso especial exige a indicação dos dispositivos legais supostamente violados. Ausente tal requisito, incide a Súmula n. 284/STF. 2. O recurso especial não comporta o exame de questões que impliquem revolvimento do contexto fático-probatório dos autos, a teor do que dispõe a Súmula n. 7/STJ. […]
(STJ – AREsp: 1260942 SP 2018/0051260-5, Relator: Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Data de Publicação: DJ 01/06/2018)
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. DIREITO MARÍTIMO. TARIFA PORTUÁRIA INDEVIDA. ACÓRDÃO FUNDAMENTADO NO CONJUNTO PROBATÓRIO E NA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL. SÚMULA N. 279 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. OFENSA CONSTITUCIONAL INDIRETA. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.
(STF – ARE: 791012 SP, Relator: Min. CÁRMEN LÚCIA, Data de Julgamento: 04/11/2014, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-227 DIVULG 18-11-2014 PUBLIC 19-11-2014)
Nesse sentido, a questão sobre a aplicação do THC2 por via contratual está longe de ser resolvida e, com isso, há uma maior insegurança jurídica para os investidores e empreendedores do setor. Assim, diverge-se da proposta inicial pensada para a política pública que visava a dinamicidade e redução de custos para o importador e o exportador.