Perante o cenário de calamidade nacional, instaurado em decorrência da pandemia de Covid-19, têm surgido diversas propostas tendentes ao aumento da arrecadação de recursos, visando à elaboração de políticas públicas efetivas de enfrentamento do novo coronavírus. Entre elas, merecem destaque as iniciativas legislativas que têm sido promovidas no sentido da instituição do Imposto sobre Grandes Fortunas – IGF.
O IGF encontra previsão constitucional no art. 153, VII, da Carta Magna e, desde a promulgação do Texto Constitucional, em 1988, até o presente momento, o aludido imposto não foi ainda instituído. A justificativa para fazê-lo agora — adotada, dentre outras propostas, pelo Projeto de Lei Complementar – PLC50/2020 e pelo PLC 38/2020 —, é a de que a escassez de recursos necessários para suportar os gastos públicos decorrentes da atual situação de calamidade pública poderia ser amenizada pela utilização da grande quantidade de valores concentrada nas mãos de poucos indivíduos, titulares de patrimônio de monta extraordinariamente elevada. Além disso, a proposta estabelece que o imposto a ser implementado será de caráter temporário, ou seja, terá a sua vigência enquanto durar a calamidade pública.
Nesse sentido, no âmbito do PLC 50/2020, a previsão é a de que o imposto incida sobre o patrimônio líquido das pessoas, físicas ou jurídicas, que supere o patamar de 12 (doze) mil vezes o limite de isenção de Imposto de Renda; as alíquotas, por seu turno, deverão variar entre os limites mínimo e máximo de 0,5% e 1%. Já no bojo do PLC 38/2020, só seriam afetados os titulares de patrimônios que excedessem a 50 (cinquenta) mil salários mínimos e a alíquota aplicada seria fixa, de 0,5% ao ano. É considerado, em ambos os casos, o ano-base anterior para fins da apuração da base de cálculo do imposto.
Interessa observar, porém, que, em que pese a instituição do imposto encontrar previsão na Constituição Federal, é quase certo afirmar que a implantação do tributo, neste momento, não alcançará, em qualquer medida, as finalidades pretendidas pelos parlamentares.
Isso, fundamentalmente, porque o IGF é um imposto cuja finalidade não diz respeito à captação de verba para a solução de uma calamidade pública. Diferentemente da figura, e. g., do empréstimo compulsório — cuja instituição, nos termos do art. 148, I da Constituição, fica condicionada ao atendimento “a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência” —, o IGF não se relaciona ao atendimento de quaisquer despesas extraordinárias, mas guarda relação com a promoção, a longo prazo, da justiça distributiva.
Essa característica do imposto — i. e., a não vinculação da sua instituição ao atendimento de despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública — é reforçada pelo fato de que não se aplica sobre o tributo em questão qualquer uma das exceções previstas no art. 150, § 1º, da Constituição ao princípio tributário da anterioridade fiscal.
Ou seja, mesmo que o PLP preveja um imposto de natureza temporária, a pretendida arrecadação de recursos para amenizar a atual crise só poderia ser satisfeita a partir do ano seguinte, no próximo exercício tributário — por força do art. 150, III, b, da Constituição —, frustrando, assim, de forma absoluta, a intenção de se auferir recursos, imediatamente, para custear as despesas atuais decorrentes da pandemia do Covid-19. Esse fator, pois, demonstraria a inadequação da medida legislativa proposta para alcançar as finalidades a que ela mesma se propõe.
A partir disso, é possível depreender que a situação atual não seria a mais propícia para a discussão a respeito da implementação do imposto sobre grandes fortunas, haja vista que essa espécie de medida não se afigura adequada para solucionar os problemas atuais, que exigem soluções imediatas.
Talvez seja mais oportuna a retomada do debate no âmbito das propostas de reforma tributária, dado que, além de se tratar de matéria que ostenta natureza bastante controversa, as funções do imposto, muito mais do que arrecadatórias, guardam relação de cunho ainda mais estreito com os objetivos políticos, de longo prazo, do Estado brasileiro, circunstância essa que exige discussões muito mais detidas do que aquelas que podemos administrar no presente momento de crise.