O julgamento das ADIs 1.945 e 5.659, suspenso no Supremo Tribunal Federal (STF) desde a sessão de 11 de novembro de 2020 do Pleno do Tribunal, decidirá se as operações referentes ao licenciamento e desenvolvimento de programas de computador (softwares) devem ser tributadas pelos estados, sujeitando-se ao Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), ou pelos municípios, sujeitando-se ao Imposto sobre a prestação de Serviços de Qualquer Natureza (ISS).
Às vésperas da retomada do julgamento — sua continuidade está prevista para a sessão do próximo dia 04 de fevereiro de 2021 —, há maioria de sete votos entre os ministros no sentido de que as referidas operações devem ser tributadas pelos municípios, com esteio nas normas que regem o ISS, independentemente de o programa de computador ser padronizado (software de prateleira) ou desenvolvido sob encomenda.
Segundo os magistrados que aderiram a essa linha de entendimento, em ambas as situações, o software depende de um esforço humano para ser desenvolvido e desempenhar suas funções próprias, de sorte que o núcleo das operações constituiria, mais precisamente, um serviço, e não uma operação de circulação de mercadoria.
Os ministros que divergem desse raciocínio apontam que as operações referentes aos softwares, produzidos em escala, destinam-se ao comércio, razão pela qual os programas de computador devem ser tributados pelos estados, sofrendo a incidência do ICMS. O ministro Gilmar Mendes, vale o oportuno destaque, divergiu parcialmente dessa corrente, para concluir que o ICMS incide apenas sobre as operações que envolvam softwares de prateleira, devendo incidir o ISS sobre operações referentes ao desenvolvimento de softwares sob encomenda.
À luz do atual panorama jurisprudencial — formatado, em suma, pela decisão de indeferimento da medida cautelar requerida na ADI nº 1.945[1] e por julgados esparsos do STJ[2] — e administrativo — calcado em decisões proferidas pela Coordenadoria Geral de Tributação da Receita Federal – Cosit em soluções de consulta[3] e em acórdãos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – Carf[4] —, tudo indica que, caso seja mantida a maioria já formada, haverá uma mudança de paradigma acerca da tributação do licenciamento do uso dos programas de computador, com um significativo deslocamento da base tributável da competência dos Estados (ICMS) para a competência dos Municípios (ISS).
Com efeito, para além de todas as consequências jurídicas e financeiras que o julgamento da matéria implicará para estados e municípios, a questão atinente ao correto tratamento tributário das operações que tenham por objeto a cessão de uso de programas de computador pode repercutir também sobre as relações tributárias mantidas entre as empresas do setor de tecnologia e a União, no que diz respeito ao imposto de renda da pessoa jurídica – IRPJ e à contribuição social sobre o lucro líquido – CSLL.
Conforme o art. 15 — que trata, especificamente, do IRPJ — e o art. 20 — que versa sobre a CSLL —, ambos da Lei nº 9.249/95, a base de cálculo dos aludidos tributos sob sistemática do lucro presumido deve ser aferida pela aplicação da alíquota de 8% (IRPJ) ou de 12% (CSLL) sobre a receita bruta auferida mensalmente.
Interessa observar, porém, que os parágrafos dos mesmos artigos preveem a aplicação de alíquotas diversificadas, próprias para receitas oriundas de cada tipo de atividade — dentre elas, no que interessa aqui, destaca-se a alíquota de 32% aplicável às receitas oriundas da prestação de serviços em geral.
Assim, sendo as receitas decorrentes de atividades econômicas consideradas de forma genérica — como é o caso, no âmbito da Lei nº 9.249/95, do fornecimento de mercadorias —, as alíquotas aplicáveis à receita bruta para a determinação da base de cálculo do IRPJ e da CSLL são, respectivamente, a de 8% (oito por cento) e a de 12% (doze por cento); tratando-se, porém, de receita originária da prestação de serviços — e aqui estarão classificados os contratos de cessão de licença de uso de software, caso firmada a maioria ora constituída pelos ministros —, aplica-se a alíquota de 32% (trinta e dois por cento) a ambos os tributos.
E é fundamentalmente por essa razão que o julgamento das ADI nº 1.945 e nº 5.659 potencialmente transcende a questão sobre se o licenciamento de programas de computador deve ser tributado por ISS ou por ICMS: a depender da caracterização que for dada às operações de cessão de direito de uso de software, pode ser que também as relações mantidas entre União e contribuintes sejam afetadas quanto à definição da base de cálculo do IRPJ e da CSLL apurados sob a sistemática do lucro presumido.
Crucial, portanto, observar não apenas os próximos passos do julgamento das ADI — que parecem já ter um rumo definido — mas também ficar atento aos desdobramentos do futuro precedente fora do Plenário do STF, tanto na seara judicial quanto nas esferas administrativas (Fonte: JOTA).
[1] “8. ICMS. Incidência sobre softwares adquiridos por meio de transferência eletrônica de dados (art. 2º, § 1º, item 6, e art. 6º, § 6º, ambos da Lei impugnada). Possibilidade. Inexistência de bem corpóreo ou mercadoria em sentido estrito. Irrelevância” (ADI 1945 MC, relator min. OCTAVIO GALLOTTI, relator p/ Acórdão min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 26/05/2010, publicado em 14/03/2011 – negritou-se).
[2] “É firme o posicionamento desta Corte segundo o qual os programas de computadores, quando criados e vendidos de forma impessoal, avulsa e aleatória, são tributados pelo ICMS; já o desenvolvimento de softwares personalizados, com exclusividade, para determinados clientes, configura prestação de serviço, sujeitando-se à tributação pelo ISS” (AgInt no REsp 1553801/SP, rel. ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 07/08/2018, DJe 14/08/2018 – negritou-se). No mesmo sentido; AgInt no AREsp 571.604/PR, rel. ministra ASSUSETE MAGALHÃES, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/05/2018, DJe 24/05/2018.
[3] A esse respeito, vide, e. g., SC Cosit nº 269/2019, publicada no DOU de 02/10/2019, seção 1, página 130; SC Cosit nº 235/2017, publicada no DOU de 23/05/2017, seção 1, página 96; e SC Cosit nº 123/2014, publicada no DOU de 12/06/2014, seção 1, página 21.
[4] “Não comprovado nos autos o exercício da atividade, e o recebimento de receitas correspondente à atividade de venda de mercadoria (desenvolvimento e edição de softwares prontos para o uso, de prateleira, standard), não se pode conceber que a mera retificação da DCTF seja suficiente para aplicação da alíquota de 8%” (Acórdão nº 1001-001.749, proferido nos autos do Recurso Voluntário no Processo nº 10880920581/2009-30, rel. cons. ANDRE SEVERO CHAVES, julgado em 05/05/2020 – negritos acrescidos). No mesmo sentido: Acórdão nº 1201-001.097, proferido nos autos do Recurso Voluntário no Processo nº 14041.000801/2007-88, rel. cons. MARCELO CUBA NETTO, julgado em 21/10/2014 – negritos acrescidos.