Reforma tributária e redução da litigiosidade?

Reforma tributária e redução da litigiosidade?

A tão esperada reforma — ou simplificação, como já sugerido anteriormente — do Sistema Tributário Nacional tem por um dos seus principais objetivos promover a redução da quantidade de litígios travados entre Estado e Contribuintes em matéria tributária. Com efeito, a complexa articulação entre as inúmeras normas nacionais, federais, estaduais e municipais vigentes em nosso Sistema, dentre outros efeitos, potencializa a multiplicação de compreensões divergentes a respeito do sentido das normas tributárias.

Reduzir a complexidade normativa do Sistema Tributário, portanto, proporcionaria, em tese, a redução da litigiosidade. Mas de que redução de complexidade — e, portanto, de litígios — estamos falando, exatamente?

Segundo dados extraídos do Relatório destinado a avaliar a funcionalidade do Sistema Tributário Nacional, elaborado pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal em 2017, o atual estoque de contencioso tributário federal alcançava, em 2016, a marca de R$ 3,08 trilhões. Dados mais recentes, obtidos por pesquisa realizada pela EY, revelam que, em 2019, esse estoque de contencioso alcançara o patamar de R$ 3,4 trilhões.

Ocorre que, como a vasta maioria dos conflitos travados na seara federal relaciona-se a discussões sobre matérias de natureza infraconstitucional — vide, por exemplo, as discussões travadas no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – Carf, referentes ao aproveitamento de ágio, a preço de transferência, stock option,dentre outras —, muito pouco, provavelmente, seria alcançado pela reforma em termos de redução da litigiosidade.

Isso, fundamentalmente, porque as reformas apresentadas no âmbito da PEC 45 e da PEC 110 propõem a modificação do Sistema Tributário em nível constitucional — e, portanto, não teriam, quer parecer, a virtude de reduzir a litigiosidade que se instaura hoje no âmbito federal, pautada na seara da legislação, e não da Constituição da República.

Ao menos em parte, há boas perspectivas de redução dos litígios tributários nos âmbitos estadual e municipal — que envolviam, em 2016, montante aproximado a R$ 1 trilhão, a partir da unificação dos tributos sobre o consumo e, por conseguinte, da eliminação ou, pelo menos, da drástica mitigação da guerra fiscal. Ocorre que, de todo o valor relacionado ao contencioso tributário estadual e municipal, estima-se que menos de R$ 100 bilhões refiram-se à guerra fiscal travada entre Estados e Municípios principal vetor de litígios atacado pelas propostas de reforma.

Outro fator que, a nosso ver, contribuiria para a não redução do estoque de litígios — na verdade, contribuiria para o seu aumento — é o período de transição entre o atual sistema e o novo sistema, simplificado, que será implantado a partir da aprovação de uma das propostas de reforma. No âmbito da PEC 45, por exemplo, estipula-se um período de transição de 10 (dez) anos, durante os quais conviverão as normas do sistema atual e as normas atinentes ao Imposto sobre Bens e Serviços – IBS, que passarão a viger a partir da promulgação da PEC.

Nesse cenário, considerando que a atual complexidade normativa é um dos principais fatores da litigiosidade tributária, o acréscimo de normas ao famigerado “cipoal normativo” vigente antes potencializaria do que atenuaria, parece-nos, a litigiosidade.

A redução da litigiosidade tributária, então, não prescinde, ao nosso ver, da correta identificação das causas que provocam o contencioso. Bem examinadas e bem diferenciadas cada uma dessas causas, as propostas de reforma poderão, então, com muito mais efetividade, promover uma diminuição no volume de litígios, para além da mera simplificação do atual sistema, nos termos em que tem sido proposta. Caso contrário — e esse parece ser o prognóstico mais provável, de acordo com as discussões que vêm sendo objeto de pauta na seara política —, tudo indica que a vindoura reforma não será suficiente, em relação a muitos aspectos, para pacificar os conflitos na medida esperada.

Ademar Cypriano

Arthur Calaça

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